24/01/2006


Old Boy, um filme de Chanwood Park

Oh Dae Su é, antes de tudo, um mala. Bêbado, ao cutucar a namorada de um estranho leva umas bifas, indo parar no distrito. Lá, grita, esperneia, dá porrada nos policiais - e leva muita - até que seu irmão o leva para casa. No caminho, param num orelhão para avisar à patroa. Ele leva umas asinhas de anjo para a filha, que estava de aniversário, e é abduzido sem deixar rastros, enquanto seu irmão telefona. Ficará desaparecido por quinze anos, como logo se esclarece. Preso num quartinho escuro com banheiro, é submetido a uma rotina que inclui gás valium para dormir na hora certa e sessões de hipnose. No cárcere, emagrece e se torna um paranóico. Também ganha aquele penteado que se vê no cartaz do filme e um desejo encruado de vingança. Enumera os adversários e desafetos - afinal, era um mala com alguma autocrítica - e calcula quem o teria aprisionado e por quê. Treina chutes e socos desesperada e metodicamente na parede, anunciando o método da vingança. Tenta fugir, mas é libertado antes, desovado numa mala – sintomático – largada num estranho jardim suspenso na cobertura de um prédio.
Nesse ponto, espera-se a vingança ao estilo kung-fu letal e hiperreal de um Matrix ou Kill Bill, filhos de uma linhagem que tem Bruce Lee como antepassado. Nada como uma pancadaria para expiar o ressentimento, não? Nem sempre. Quem disse que todo ressentimento tem a expiação que merece? Não aqui, e nem tão rápido.
Nosso mala calejado sai ao mundo e descobre o amor, a morte da esposa e o sumiço da filha. Vai descobrindo também possíveis bodes expiatórios, que embolacha ao mesmo tempo em que apanha feio. Agora, é um estranho no mundo. A pancadaria dispensa efeitos de computador, é bem natural. Por isso impressiona mais, assim como as cenas de tortura, que no anunciado remake americano certamente serão empasteladas. Depois de muito bater, apanhar, esfolar e seviciar, descobre o responsável por sua tragédia pessoal, o alvo de sua ira. Descobre também que é parte de um jogo daquele jogador, e que, livre, continua preso aos seus sentimentos, digamos, desagradáveis.
A chance de redenção pela vingança violenta é aos poucos afastada, e nosso herói se descobre não numa jornada de resgate, mas rumo a um abismo ainda mais profundo. Não basta saber quem, diz seu algoz, há que se saber o porquê. E Oh Dae Su vem a sabê-lo, numa seqüência de revelações que é magistral pela gradação e pelo tempo, que não é o dos blockbusters.
Descobre, aos poucos, que sua vingança é um apêndice da vingança maior de seu algoz, da qual o encarceramento era apenas o prelúdio. As surras continuam, até o inevitável confronto final, quando Oh Dae Su tem a noção exata do porquê da vingança que sofria, e da extensão dessa vingança, verdadeira desgraça que faz de seu próprio plano um miserável arremedo de vingança. Diante do que constata, nosso mala sucumbe, e a única maneira que encontra de estar vivo é renunciar à sua própria lembrança, fazer de si tabula rasa para poder continuar respirando...
Deve haver uma tradição de filmes de vingança, já que o ressentimento é algo tão humano. Nela estão Kill Bill, Batman, especialmente o mais recente, e não há cara mais ressentido do que o Demolidor. Oldboy, no entanto, inaugura um novo salão nesse prédio, faz um upgrade na arte da vindita. O filme se põe na fronteira avançada dos plots de vingança calculista. Melhor, faz isso com liberdade em relação aos clichês do cinema ocidental - e por isso, talvez, consiga dar um imaginativo passo além. Um retrato do rancor maior que a vida...