01/11/2005

Assim, estaríamos à beira de sugerir um sarau de silêncios, em que nos poríamos à prova de construir cada qual seu silêncio, em contraste ou em harmonia com os silêncios dos convivas, em quartetos à moda de câmara ou num incessante madrigal, que nos levasse ao júbilo ou ao terror, ao êxtase ou ao desespero. Seria possível compor com o silêncio um espetáculo ruidoso para nossos corações, encontrarmo-nos com o propósito de estar juntos em silêncio, ou silêncios, até que nossas emoções e sensações nos deixassem inquietos, excitados ou aflitos? Estranho, como poesia. Nada vira linguagem, e vira. E nada.

Poesia e silêncio combinam, e é estranho que se queira fazer happenings poéticos, já que para boas festas não faltam motivos. Não é nelas que a poesia acontece, mas na leitura intensa do dia-a-dia, já que é linguagem de linguagens e por isso demanda aquela atenção pouco compatível com um ambiente agitado. É estranha até mesmo qualquer efusividade quanto à poesia, ou paixão extrovertida. Não que seja estranho à poesia qualquer Maracanã de sensações ou emoções, mas essas, no poema, servem à própria expressão poética, que assim potencializa tudo que foi vivido – ou imaginado. Emoções não são poesia, os poetas é que são emocionados, e talvez se distingam exatamente por poder fruir da emoção incomum, da leitura e da feitura do poema, depois que a festa acaba.

Poucos capítulos nos separam das costas de Nandrulu. Contam-se em centenas as braças que nos levarão ao estreito no qual as correntes conduzem o barco à entrada do porto, e ali, uma destra manobra do timoneiro poderá levar-nos a adentrar os rochedos além dos quais fica a calmaria. Poucos pontos e vírgulas, almas e palavras lembradas, habitam o interstício entre o mar e a terra, entre os meses ao largo e a sólida memória que são as pedras e o chão. Nada que não possa acontecer nos é próximo, embora tudo o que vivemos nos pareça cada vez mais irreal, como infinitas linhas onde não se encontram indícios que levem ao fim. O continente em sonhos de marujos aflitos é terra em que não se põe os pés, cheia de sol e poeira, amarela, não como estas correntes frias e verdes, este mar sem fundo. Em Nandrulu, entretanto, habitam marajás e mulheres morenas, aqueles montados em cavalos e elefantes adornados de pedraria, estas outras descalças e de um olhar escuro e brilhante, todos à beira da praia escura, vestindo vermelhos e laranjas. Nada disso sonham os navegantes. Não pensamos em selva ou em tigres, ou no cheiro de cozinhas e leitos, senão nos penhascos e planícies de nossa própria memória salgada, mais tangíveis do que o litoral que a vista oferece. Oramos. Saudamos então o vento e o hálito frio do mar, e todos aqueles sobre o chão macio que não pisaremos, e numa curva levamos a proa ao horizonte.